Tuesday, April 29, 2008

a confissao de lucio

2 primeiras paginas
a confissao de lucio

Por 1895, não sei bem como, achei-me estudando Direito na Faculdade de Paris, ou melhor, não estudando. Vagabundo da minha mocidade, após ter tentado vários fins para a minha vida e de todos igualmente desistido - sedento de Europa, resolvera transportar-me à grande capital. Logo me embrenhei por meios mais ou meios artísticos, e Gervásio Vila-Nova, que eu mal conhecia de Lisboa, volveu-se-me o companheiro de todas as horas. Curiosa personalidade essa de grande artista falido, ou antes, predestinado para a falência.
Perturbava o seu aspecto físico, macerado e esguio, e o seu corpo de linhas quebradas tinha estilizações inquietantes de feminilismo histérico e apoiado, umas vezes - outras, contrariamente, de ascetismo amarelo. Os cabelos compridos, se lhe descobriam a testa ampla e dura, terrível evocam cilícios, abstenções roxas; se lhe escondiam a fronte, ondeadamente, eram só ternura, perturbadora ternura de espasmos dourados e beijos subtis. Trajava sempre de preto, fatos largos, onde havia o seu quê de sacerdotal - nota mais frisante dada pelo colarinho direito, baixo, fechado. Não era enigmático o seu rosto - muito pelo contrário - se lhe cobriam a testa os cabelos ou o chapéu. Entanto, coisa bizarra, no seu corpo havia mistério - corpo de esfinge, talvez, em noites de luar. Aquela criatura não se nos gravava na memória pelos seus traços fisionómicos, mas sim pelo seu estranho perfil. Em todas as multidões ele se destacava, era olhado, comentado - embora, em realidade, a sua silhueta à primeira vista parecesse não se dever salientar notavelmente: pois o fato era negro - apenas de um talhe um pouco exagerado -, os cabelos não escandalosos, ainda que

longos; e o chapeu, um bonet de fazenda – esquisito, era certo – mas que em todo o caso muitos artistas usavam, quase identico.
Porem, a verdade é que em redor da sua figura havia uma aureola. Gervásio Vila-Nova era aquele que nós olhamos na rua, dizendo: ali, deve ir alguem.
Todo ele encantava as mulheres. Tanta rapariguinha que o seguia de olhos fascinados quando o artista, sobranceiro e esguio, investigava os cafés… Mas esse olhar, no funod, era mais o que as mulheres lançam a uma criatura do seu sexo, formosissima e luxuosa, cheia de pedrarias…
-Sabe, meu caro Lucio – dissera-me o esculturor, muita vez nao sou eu nunca possuo as minha amantes; elas é que me possuem…
Ao falar-nos, brilhava ainda mais a sua chama. Era um conversador admirável, adorável nos seus erros, nas suas ignorancias, que sabia defender intensamente, sempre vitorioso; nas suas blagues. Uma criatura superior – ah! Sem duvida. Uma destas criaturas que se enclavinham na memória – e nos perturbam, nos obcecam. Todo fogo!, todo fogo!
Entretanto, se o examninávamos com a nossa inteligencia, e não apenas com a nossa vibratilidade, logo viamos que, infelizmente, tudo se cifrava nessa aureola, que o seu génio- talvez por demasiado luminoso – se consumiria a si próprio, incapaz de se condensar numa obra – disperso, quebrado, ardido. E assim aconteceu, com efeito. Não foi um falhado porque teve a coragem de se despedaçar.
A uma criatrua como aquela não se podia ter afecto, embora no fundo ele fosse um excelente rapaz; mas ainda hoej evoco com saudade as nossas palestras, as nossas noites de café – e chego a convencer-me que, sim, realemte, o destino de Gervásio Vila-Nova foi o mais belo; e ele um grande, um genial artista.

2 comments:

Bernardo Coelho said...

Granda bacano belo!

julio dolbeth said...

Parabéns João, espírito de equipa e partilha :-)